segunda-feira, dezembro 01, 2003

“Bem-vindos ao Euro-2004, o maior fracasso económico do século XXI”

Não era um grande adepto desse desporto que é a vela. Sempre o considerei extremamente elitista, e não conseguia perceber qual era o fascínio de me sentar num bocado de fibra de vidro, a regular um bocado de pano, com a ajuda de vários bocados de corda. Até experimentar. Compreendi então quais eram os fascínios (porque são, de facto, vários) que a vela exerce sobre nós. Era, por isso, natural que aguardasse, expectante, a atribuição da organização da Copa América ’07 a Lisboa-Cascais. Não aconteceu. A organização foi atribuída a Valência, Espanha sobretudo pela “excelência das suas instalações” e “pela intervenção da família real espanhola”.
A falha na atribuição deste evento deve levantar inúmeras questões. Para começar, é necessário procurar imediatamente outra fonte de receitas pós-euro-2004, já que a principal função da Copa América ’07 seria tapar por completo (esperava-se) todos os buracos desse fiasco financeiro-desportivo que se presume que venha a ser o Europeu de futebol 2004. Sem Copa América, os buracos vão continuar lá. Adivinham-se, portanto, tempos extremamente difíceis para o contribuinte.
Alguns defendem que seria mais um investimento, mais dinheiro que sairia do bolso dos contribuintes, mais despesas para o Estado. Sem dúvida. Contudo, para ter lucro é preciso investir. Além disso, não só as despesas (leia-se investimentos) seriam muitos menores comparativamente às do Euro ‘04 (à volta de 80 milhões de euros, equivalentes à derrapagem orçamental do Estádio em Braga, essa maravilha arquitectónica que vai receber um jogo na competição e uma média anual de 10 mil adeptos), como também as receitas geradas seriam enormes (à volta de 1.5 Biliões de Euros!) Por mais inacreditável que possa parecer, o desporto das “cascas de nós” gera, indubitavelmente, muito dinheiro.
O segundo ponto que deve ser analisado é bastante mais complicado, visto que está relacionado com a mentalidade inerente a este País e a este povo. Portugal é, realmente, o país dos três F’s: Fado, Fátima e Futebol. Esqueçamos os dois primeiros. Falemos só do inevitável futebol. Aquando da candidatura ao Euro, se bem se lembram, o então governo socialista, conjuntamente com a FPF, moveu mundos e fundos por forma a que tudo fosse feito para que Portugal conquistasse a organização do Euro. Fez-se o logotipo humano, que quebrou um qualquer record do Guiness (a importância dada a este evento foi outra coisa que sempre me ultrapassou) e apresentou-se um projecto cuja megalomania ultrapassa tudo o que já foi feito neste País.
Ora, a menos que eu tenha estado muito desatento, não me lembro de ter visto nenhum logotipo feito no rio Tejo com milhares de veleiros. Falou-se em remodelar toda a zona onde se situa a Docapesca. Falou-se em melhorar as acessibilidades Lisboa-Cascais. Falou-se em muitas outras coisas. À boa maneira portuguesa, falou-se muito, mas viu-se pouco a ser feito. Também não me lembro de ter visto o actual governo associar-se a Patrick Monteiro de Barros (que deve ser parabenizado pelo excelente projecto) e à organização da campanha, provavelmente porque isso constituiria mais uma despesa que o Estado não quer (e muito bem!) ter de acarretar.
Mas pior que tudo isso é que esta “derrota” foi reveladora da nossa falta de espírito competitivo. Nós limitámo-nos a achar que, tendo o Euro na mão, nada mais era necessário. Para quê uma Copa América? Não faz sentido. A vela é um desporto elitista, o Zé Povinho não gosta. Os espanhóis, de orgulho ferido pela perda do Euro, ter-se-ão empenhado como nunca para que, uma vez mais, Portugal não saísse vencedor. E Portugal, embalado pela vitória daquele que será o maior fracasso económico dos tempos vindouros, entregou o ouro sem sequer reclamar. Haverá quem diga que os espanhóis compraram a organização. Desenganem-se: o país da cunha somos nós! Dura veritas, Sed Veritas!