Nada em particular
De vez em quando, risos. Ouço risos. É verdade, são mesmo risos que ecoam dentro da cabeça. Neste caso preciso, da minha precisa cabeça.
Mas não é um riso cristalino, piegas, cobarde, não, este é um riso forte, poderoso, austero. E ecoa, o filho da puta ecoa. Não se limita a gargalhar finitamente, isso é pouco para ele. Ele ecoa, prolonga-se, adianta-se, resume-se, vezes e vezes e vezes sem conta, continuamente, ininterruptamente.
Consciência, alertarão os pobres ingénuos. Ah, ingénuos, cambada de néscios do caralho. Isto não tem nada a ver com consciência.
Isto é Deus. É verdade, não se espantem, é Deus. Costumo chamar-lhe a Ironia Divina. Provavelmente alguns de vós partilham comigo esta maravilhosa audição, sobretudo naqueles momentos em que, por mero exemplo, vocês pretendiam uma playstation e recebem um jogo para o pc, jogo esse cujos requerimentos estão a anos-luz daquilo que o vosso computadorzeco pode dar. Ou quando the woman of your life está literalmente ao vosso lado e só consegue ver-vos à transparência, observando tudo o que mexe enquanto a multidão de alimárias masculinas vos engole, a pouco e pouco. Heis a Ironia Divina em todo o seu esplendor.
Pior que tudo isso é que Deus ri-se de mim e não para mim. Ao invés de exclamar Parabéns, caro João, ganhaste a puta do Totobola, com enfase na puta, diz-me, entre gargalhos, que aos 89 minutos o guarda-redes da equipa cuja vitória me garantiria um 14 e o apetecido prémio faz auto-golo, limitando a minha vitória e a de mais 100 mil gajos a um 13, cujo prémio é uma magnífica nota de cinco euros.

Nestas alturas, ecoa., levando-me à surdez mental. Gargalhadas e gargalhadas fortes, ás centenas.
Foi então que adquiri um hábito: sempre que o gajo gargalha, ergo a mão direita, executo O Gesto Universal na Sua direcção e vou beber um copo, acalmando assim o meu exaltado espírito e bloqueando o gargalhado.
Posteriormente, a desgraça piora, a ironia aumenta, seguindo-se-lhe o interminável riso... enfim, nem tudo é perfeito.