quinta-feira, abril 08, 2004

Ensaio sobre a estupi... perdão, lucidez

Nunca fui grande amigo da causa. A causa, entenda-se, operária, trabalhista, das greves, nomeadamente quando essa "causa" abarca o extermínio completo de toda e qualquer forma de poder ou de Governo, passando o ser humano a reger-se pela sua consciência. Ora, dizer que este sistema é utópico, seria, no mínimo, gozar com o receptor da mensagem. Olhemos bem para o ser humano, para a sua natureza: será que ainda existe gente, excluindo claro, aqueles jovens que, no extâse da idade e do consumo de chamôt promovem tal tipo de ideias, que acredita num absurdo tal? Pelos vistos, a resposta é afirmativa. Para mal dos nossos pecados, é tristemente afirmativa. Para piorar, quem defende, enfim, esses "ideais", é tão simplesmente o prémio Nobel da literatura, José Saramago, no seu último e badalado romance "Ensaio sobre a Lucidez" ao qual eu tomei a liberdade de mudar o nome, substituindo a última palavra por Estupidez. Fica melhor, sobretudo depois de lida a sinopse. Eis um resumo: um dia, dia esse tão belo como os outros, os já estupidos portugueses dirigem-se às urnas (uns para votar, outros para fazerem desenhos no boletim) e regista-se, uma horas após a contagem, que 80% dos portugueses resolveram votar em branco. Ora, como seria de esperar é a calamidade total. Não conto o resto porque ainda não li, mas confesso que, depois de acabar o Proust, acho que vou enveredar por esta pérola literária, enfim, sempre proporciona umas boas risadas e não podemos ler sempre coisas sérias, camaradas anarcas, há que diversificar!
Mas o melhor de tudo é que José Saramago é um dos candidatos ao Parlamento Europeu na lista do Partido Comunista. Ou seja, como afirmava um jornalista do Público, os votos em branco devemos contá-los como sendo para José Saramago que, não contente com as senilidades que escreveu naquele puro desperdício de papel a que os menos corajosos resolveram apelidar de...hmmmm... "romance", ainda apelou aos portugueses para que estes votassem em branco, ainda mais em branco do que já votam, porque, enfim, todos conhecemos bem a importância das ditas "eleições europeias".
Saramago escreve bem, muito bem. O Nobel justificou-se, o seu ensaio sobre a cegueira é simplesmente fabuloso. Porém, parece-me que o Grande Timoneiro português (ok, ok, esse é o Cunhal) começa a perder qualidades. Para começar, foi feita a este livro uma publicidade sem precedentes, no que toca à escrita de Saramago, afirmando-se desde logo, antes mesmo de estar acabado, que este iria ser "um livro bombástico, extremamente controverso". E todos sabemos como o populacho gosta de controvérsias. Depois, mostrou José neste livro a sua costeleta comunista, de uma forma inteiramente nova, pelo menos no que toca ao restante da sua obra. E eu pergunto: qual é o seu objectivo? Era mesmo necessário, depois de uma obra fabulosa, estragar tudo com um livro destes? Porque, realmente, eu sei que o camarada costuma escrever histórias algo insólitas, agora daí a imitar o amigo Moore. É que o plágio, não sei se sabe, é crime. Claro que nesse seu pequeno mundo quixotesco, somos todos anarcas, e ninguém pretenderá, com certeza, culpar o anarca-mor pelo que quer que seja.
E já que falamos de escritores, falemos de Kafka, mais necessariamente do termo kafkiano, ou bizarro, se preferirem, para descrever esse "brilharete" feito por Emídio Guerreiro. Ora transcrevamos o seu comentário, feito na apresentação do desperdício de papel encapado, sobre o anterior "Ensaio sobre a Cegueira": "Formidável. Tantas páginas sem vírgulas nem pontuação. No meu tempo levaria um zero, mas com a evolução já não se trata de iliteracia, mas de literatura." Eis um camarada que, apesar dos seus muitos 104 anos, ainda os tem no sitio e a funcionar perfeitamente. Avante, camarada, avante!