terça-feira, fevereiro 10, 2004

Ler pode ser um hábito que se torna vício

Comecei a ler livros porque não tinha nada para fazer nas férias. Vivia numa vila alentejana, e apesar de a juventude da época ter por norma juntar-se para os célebres bailes de garagem, o meu pai não mostrava boa cara quando lhe pedia para frequentar esses locais. Dizia ele que muita coisa se podia passar, já que não era boa política deixar os jovens, rapazes e raparigas juntos sem a supervisão de adultos. Claro que esta proibição me causou revolta, e claro também que passei a ir aos bailes de garagem às escondidas. Quando porém não conseguia escapulir-me, passava os dias com as pernas penduradas num sofá a ler. Lia tudo o que conseguia, e, curioso, lia livros pesadíssimos para a minha idade. E alí estava eu, orgulho do papá, a ler tanta coisa que ele nem imaginava. Comecei a perceber que podia divertir-me imenso através da leitura. Imaginação sempre tive, de modo que servindo-me dela, viajava para dentro do livro e conseguia vestir a pele dos intervenientes, imaginá-los, traçar-lhes o perfil, e viver com eles durante uns tempos. Lembro-me que o fim de um livro era para mim uma mistura de sensações, por um lado queria saber rapidamente como acabava a história, por outro tinha pena de me despedir daquela gente que tinha passado comigo alguns dias de férias. E de livro em livro de história em história ia construindo as páginas dos meus dias no quente Alentejo.

Praia? Não não podia ir, para além de longe era caro, não era permitido à gente daquela época fazer férias na praia, nem na praia, nem em lado nenhum, as férias eram passadas no mesmo local onde estávamos o ano inteiro.

A vida das pessoas muda com os anos, e com os anos mudam os hábitos, e eu deixei de ler. Passei por uma fase em que ler um livro era para mim um pesadelo, e chegava a demorar meses num capítulo. Mas tudo muda, e de há uns anos a esta parte, voltei ao me velho prazer, voltei a ler, um após outro, e outro, e outro, e de tanto ler, vou sentindo que dia a dia me sinto mais próxima de tudo, do que já sabia e do que não fazia ideia. Vou conhecendo gentes e locais, vou interpretando reacções e construindo ideias, vou vivendo mais intensamente, e, apesar de a vida não se aprender nos livros, podemos mudar muita coisa na nossa vida com os livros. É uma questão de transformarmos o hábito num vício.