quinta-feira, abril 15, 2004

O fundo do túnel

Morreu mais uma pessoa. Italiano, português, inglês, americano, polaco, o que é que isso interessa?! Morreu mais um ser humano. Contorço-me por dentro. Não sei o que dizer, estou sem palavras, os momentos como este já não pedem palavras, e as lágrimas, de tão secas, já não caem, petrificam-se no precipício dos meus olhos, tentando cegar-me para que não veja o cansaço que se apoderou de tudo o que intimamente sou. Morrem milhares todos os dias. Não me compadeço desses milhares com os quais já não conto aprender nada, mas que, ainda assim, me podem ensinar qualquer coisa um dia destes, quando eu não estiver à espera que tal aconteça.
Morrem e continuam a morrer, quais tordos às mãos de crianças que os abatem pelo prazer de os ver cair inanimados. Tenho a inocência de acreditar que elas o fazem unicamente porque pensam que depois eles se levantam e o jogo continua, por tempo indeterminado, até morrer o dia.
O mundo é um local triste, nestes dias e a tristeza insana que dele se apodera ganha contornos insuportáveis. O homem que morreu, sem culpa do que quer que fosse, tirou o capuz no último momento e mostrou "como morre um italiano". Queria ter este tipo de coragem, mas confesso que em alturas como esta, quando este universo de cansaço se abate sobre mim só desejo o meu mundo, com as minhas leis, os meus valores, os meus amigos e o meu amor. Não tenho já paciência para esquerdas, para direitas, para a puta que os pariu, estou cansado, estamos todos cansados, e exijo descanso, exijo que cessem todas estas acusações patéticas e todas estas afirmações absurdas, exijo dias e dias de calmaria, anos de luto, uma vida inteira de silêncio. Exijo civismo, paz, exijo-vos que me deixem viver, a mim, membro dessa maravilhosa seita que é a Humanidade, que só pretende poder passear pelos belos jardins de Serralves com o Porto ao fundo, que só pretende ouvir o Paul e o Art, que só quer embriagar-se de vida, vida e mais vida, seja ela fruto das colheitas divinas ou das terrenas, venha de onde vier, vá para onde for, será assim tão complicado compreender?, deixem-me Viver!