quarta-feira, maio 12, 2004

O Processo

Medito sobre os exames que se aproximam. Considero-os a maior prova de toda a incoerência do nosso sistema de ensino, bem como da sua completa ineficácia. Resumindo, pretendem ensinar-nos. Começam, claro, por nos ensinar tudo aquilo que acham que nos será útil e fazem-no duma forma verdadeiramente prometedora (ou enganadora, se preferirem). Abrem-nos as portas do mundo no exacto momento em que fechamos a cartilha João de Deus e avançamos por esse globo inóspito a ler tudo o que nos dá na gana, sem medo de repressões ou de censuras. E começamos a olhar cá para fora, a pôr a cabeça à janela do prédio que nos separa da triste realidade. E continuamos, porque a isso nos obrigam e em alguns casos, porque assim o desejamos, até que finalmente nos apercebemos que as coisas não são bem como nós achámos que elas iam ser. Para leigos, adquirimos a noção de que andamos a perder tempo. Começa no quinto e acaba no nono. Pelo meio, alguns ganham ódio à matemática, outros ao português, outros à ideia de escola em si. Encontram-se os primeiros professores desinteressados, frustrados e incompetentes, aprendemos, à nossa custa, que o mais importante somos nós, mesmo que para realizar esse "nós", que é na verdade um "eu", tenhamos de esmagar todos os outros à nossa volta, para os quais olhamos, em muitos casos, não como pessoas mas como meros obstáculos ao nosso sucesso, do qual advirão, posteriormente, todas as benesses pretendidas. Exagerado? É possível, mas é também certo que encontrei gente assim no meu percurso. Após o término do último ano de escolaridade obrigatória, temos duas hipóteses: tentar encontrar um emprego qualquer onde se ganhe pouco, trabalhe muito e onde possamos desperdiçar por completo uma das melhores fases da nossa vida, além claro, de hipoteticamente hipotecarmos o nosso futuro, ou então, como segunda hipótese, podemos continuar para o ensino secundário, onde já ninguém quer saber de nós, onde tudo começa a ser realmente a sério e onde somos obrigados a sobreviver. Ao contrário da faculdade aqui ainda nos são dadas, por alguns professores, dicas de sobrevivência. É a diferença. Preparam-nos. Supostamente, ensinam-nos. Depois de termos escolhido, está feito. Não podemos voltar atrás. Ou somos forçados a submeter-nos às consequências inerentes a um "retrocesso" no processo de aprendizagem, que geralmente são sempre vistas como algum tipo de fragilidade em termos pessoais.
Chegados ao 12º, deparamo-nos com os exames que deveriam ser o culminar de um processo quase imaculado de aprendizagem. Nada mais irreal. Os exames servem ao Estado como mera estatística que será posteriormente apresentada aos patrões europeus, para que continuem a enviar fundos a título perdido para Portugal. E o mais impressionante é que determinam, por completo, o nosso futuro. Estudem muito, "marrem" até cair para o lado e se tiverem a sorte de ter um exame com perguntas que vocês até sabem e se apanharem com um corrector simpático, que não pretenda simplesmente f****-vos a vida por achar que vocês lhe estão a f**** as férias, então, meus caros, parabéns, podem agora começar a correr para entrar na Universidade. Se tal não acontecer, bem-vindos ao clube dos Falhados, que não pretendem passar cinco anos fechados numa sala por considerarem que há outras coisas na vida que valem mais a pena.
Ou seja, não depende unicamente de nós. É a conclusão a que eu acredito que todos os finalistas cheguem, ano após ano. Os professores-correctores podem estar-se a marimbar ou não, os exames podem ser bem feitos ou não e no fim, o nosso futuro, supostamente construído ao longo de 12 anos, alguns deles bem dificeis, é avaliado pelo número de horas que passamos enfiados num quarto a estudar e pelos resultados que possamos vir a obter, se o corrector estiver de bom humor, claro, num exame com cinco perguntas. Até lá, sucedem-se os esgotamentos, as depressões, até os suicídios. A conclusão, essa, caros jovens, deve surgir sob a forma de uma pergunta: será que vale realmente a pena?