domingo, julho 25, 2004

O dilema

Leio "O Adolescente" de Fiódor Dostoyevski, escritor que considero ser um dos mais geniais de todos os tempos pela sua capacidade de tratar o ser humano exactamente como ele é, com todo o visco, com todo o asco, com toda a desumanidade que lhe é inerente. Confesso-me um anti-humanista. Nunca acreditei muito no valor do Homem e a verdade é que a vida é demasiado curta para ser moralmente kantiano. Não existe essa coisa a que o Immanuel resolveu um dia chamar boa vontade, pura e simplesmente, porque não há Homens intrinsecamente bons ao ponto de se submeterem a imperativos morais tão fortes que os desviassem de tudo o resto. Como tal, concordo com a primeira premissa da teoria do "Mito do bom selvagem", de Rousseau, que afirma de forma peremptória que o Homem é naturalmente mau. A segunda assemelha-se a uma mera utopia, ao querer fazer crer que este poderá tornar-se bom ao pisar ingenuamente os tapetes do castelo de cartas social. Mais fácil seria acreditar em Hobbes, quando este afirma que o Homem é naturalmente bom, mas piora em sociedade. Olhando a toda a volta, observando o que nos rodeia, é incontestável a maior validade, adquirida por comparação, do argumento hobbesiano.
Dostoyesvki demonstra a crueldade humana em toda a sua potência, bem como a astúcia, o desejo, a necessidade, a frieza racional e irracional da nossa espécie. Quem leu "Crime e Castigo" sabe do que falo. Mas será que o grande génio não tem em atenção as pequenas bondades inerentes ao próprio Homem? Sem dúvida. Mas sempre como consequência máxima do seu arrependimento. Ródia Romanovitch Raskólnikov é a prova escrita disso.
   O dilema afigura-se então intransponível. Devemos acreditar no Homem? Sem dúvida, mas sempre de uma forma empírica, tal como David Hume fazia, ao profetizar a impossibilidade do ocaso no dia seguinte. Devemos fazê-lo única e exclusivamente pela necessidade que advém do hábito. Hoje creio na bondade natural do Homem, sempre com a consciência que amanhã pode ter que observar a sua bestialidade. Mas será possível a Felicidade? Dificilmente, sobretudo se for tida em conta a natureza social do Homem. O hábito é um bom companheiro, mas não é fiel porque tem presa a si a corrente do tédio. Está inerente à condição humana a necessidade de relacionamento dentro da espécie e, muito frequentemente, fora dela. O objectivo é obter segurança, objectivo esse que levanta outra questão pertinente: será que alguém pretende essa segurança? Do meu ponto de vista, não. E assim se deita ao lixo meia hora de dissertação filosófica através da contradicção em que cai o mesmo que defende a teoria. Ah filosofia, filosofia, por quanto mais tempo irás tu enterrar-me?
 
 

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Desculpa a minha ignorância, mas o mito do bom selvagem de rousseau não postulava que o homem era naturalmente bom e que apenas a sociedade era capaz de o corromper?
Independentemente de todo o tipo de filosofias, a vida é passageira e gosto de acreditar que ha para aí a tal boa vontade e pessoas naturalmente boas, mas também acredito na podridão das pessoas que que frequentam as nossas ruas sem qualquer tipo de objectivo final, apenas deixar a vida passar.
É mesmo o eterno dilema que, a meu ver, nc será "resolvido" por ninguém. Chamem-lhe ciclo vicioso.

segunda-feira, agosto 02, 2004 7:48:00 da tarde  
Blogger JRosaCruz said...

A meu ver, e devidamente mergulhado no meu HABITUAL egocentrismo, o dilema está resolvido... Vivo a vida como ela se me apresenta, resolvendo os problemas a seu tempo... Quanto aos problemas causados por pessoas "podres", aplico-lhes uma versão personalizada da selecção natural... Confesso que por vezes sou um pouco preconceituoso, mas evito-o... Faço o possível por conhecer o máximo das pessoas, e quando estas se mostram indignas são pura e simplesmente eliminadas (não literalmente como é obvio)... É importante reter que o conceito de "podridão" é relativo, tenho noção que a minha pessoa é comparada a "maçã meia comida pela lagarta" do ponto de vista de muita gente...

O chato disto tudo é que no final somos sempre forçados a sobreviver à presença de algumas ameixas estragadas! Nada a fazer! A última pessoa que tentou fazer algo contra esse facto, tinha um bigode feio, puxava o cabelo para tapar a careca, era baixinho e ainda hoje lhe chamam de "Segundo Anti-Cristo"!

PS- Rousseau afirma que a criança nasce pura, o que é diferente de nascer boa ou má! Somos obviamente levados a acreditar que a criança nasce puramente boa, e que a nojenta sociedade corrompe a criança incutindo-lhe más ambições... No entanto, o conceito de pura é relativo, uma vez que nos é impossível imaginar qual seria o resultado do nascimento de uma criança pura numa sociedade pura... Poderia ela ser considerada puramente má e necessitada de educação de forma a tornar-se boa? Ou nasceria puramente boa, e perfeitamente adaptada?

segunda-feira, agosto 02, 2004 11:49:00 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home