quinta-feira, março 04, 2004

O tal segredo que só eu pareço desconhecer

Hoje quando vinha no autocarro senta-se a meu lado um tipo impecavelmente vestido, sapatos engraxados, uma bóina centrada, cobrindo tanto o cocoruto outrora desprotegido como uma testa em que se vislumbrava uma pequena falta de cabelo em certa parte. Trazia um relógio Casio, dos digitais, completamente novos há dez anos e completamente banalizados de há dez anos para hoje em dia. No que pensava, desconheço e pouco me interessa, ou mesmo nada, já que os pensamentos de cada um devem ser guardados para cada um.
Ah sim, que cabeça a minha, esqueci-me de referir que este tipo era castanho. E não uso o adjectivo castanho duma forma pejorativa. É um facto. Ele era realmente castanho, tal como eu sou bege (à portuguesa). Detive-me algum tempo a observá-lo. Ele permaneceu estático. Vidrou os olhos, enregelou o corpo e manteve-se inerte desde que se sentou ao pé de mim até eu ter de sair e ele me ceder, gentilmente, a passagem. E agora escrevendo como se tivesse acabado de sair da primária: o melhor é fazerem-me um desenho porque eu realmente sou muito estúpido e não compreendo em que é que radica o racismo. Qual é, de facto, o problema do homem ser castanho chocolate de leite, sendo eu bege cortinado-de-hospital-da-ala-dos-moribundos? Porque esse argumento que alguns utilizam que o problema do homem castanho ser realmente castanho ou do que é mais preto ser realmente preto não me convence. Confessem, qual é realmente a razão de tanta intolerância? Por causa da cor? Então eu pergunto: não é muito pior alguém cuja cor nos traz à memória a lembrança dum hospital, especialmente da ala dos moribundos, do que alguém que tem a cor de algo tão fabuloso como o chocolate seja ele preto ou castanho escuro ou mesmo castanho claro? Se 90% da população mundial que é bege cortinado que já teve a sorte de provar chocolate gosta tanto deste, porque razão é que têm tantos problemas com alguém que é exactamente da mesma cor. Então mas o chocolate não é tão bom, tão delicioso? Eu sei que a comparação é rídicula, mas o que a torna ridícula é o mesmo racismo que, na mente deturpada de algumas pessoas, as leva a odiar alguém só porque esse alguém tem uma cor que deveria lembrar algo tão bom como chocolate.
Agora que já expus a minha teoria, contem-me lá: qual é o segredo que está inerente ao racismo?